Sobre
usar ou não antidepressivos – Transcrição de trechos do livro “Comer, Rezar,
Amar” de Elizabeth Gilbert. Pessoalmente, penso que ilustra de forma muito real
e esclarecedora o tema.
Nunca quis tomar remédios,
para começo de conversa. Passara muito tempo lutando para não tomá-los, sobretudo devido a uma longa lista de objeções pessoais (por exemplo:... ainda
não sabemos que efeito esse negócio tem no cérebro a longo prazo; ...; estamos
tratando os sintomas, não as causas, de uma emergência nacional na área da
saúde mental...).
Encarei minha depressão
como se fosse o maior desafio da minha vida, e é claro que era mesmo. Passei a
estudar minha própria experiência depressiva, tentando desvendar suas causas. O
que estava na raiz de todo aquele desespero? Seria psicológico? (Culpa de mamãe
e papai?) Seria apenas temporário, um "período difícil" da minha
vida? (Quando o divórcio terminar, será que a depressão vai terminar também?)
Seria genético? (A Melancolia, chamada de muitos nomes, aflige minha família há
gerações, junto com seu triste noivo, o Alcoolismo.) Seria cultural? (Será que
isso é apenas a ressaca de uma americana pós-feminista que trabalha tentando
encontrar o equilíbrio em um mundo urbano cada vez mais estressante e
alienante?) Seria astrológico? (Será que estou tão triste porque sou uma
canceriana sensível cujas principais características são todas regidas pelo
instável Gêmeos?) Seria artístico? (As pessoas criativas não sofrem sempre de
depressão por serem ultra-sensíveis e especiais?) Seria evolucionário? (Será
que carrego comigo o pânico residual que vem de milênios de tentativas da minha
espécie de sobreviver em um mundo brutal?) Seria cármico? (Será que esses
espasmos de tristeza são apenas as conseqüências de um mau comportamento em
vidas passadas, os últimos obstáculos antes da libertação? Seria hormonal?
Nutricional? Filosófico? Sazonal? Ambiental? Será que eu estava experimentando
uma ânsia universal por Deus? Será que estava com um desequilíbrio químico? Ou
será que eu simplesmente precisava transar?)
E, quando aquelas revistas
femininas intrometidas não paravam de me dizer que minha baixa auto-estima não
estava ajudando em nada a curar a depressão, fiz um bonito corte de cabelos,
comprei alguns produtos caros de maquiagem e um belo vestido. (Quando um amigo
elogiou meu novo visual, tudo que consegui dizer, de cara fechada, foi: "Operação
Auto-Estima - Porra de Dia Um.")
A última coisa que tentei,
depois de dois anos de luta contra essa tristeza, foi tomar remédios. Se me
permitem expor minhas opiniões aqui, acho que isso sempre deve ser a última
coisa a se tentar. Para mim, a decisão de tomar o caminho da "Vitamina
P" aconteceu depois de uma noite em que eu havia passado horas sentada no
chão do meu quarto, tentando seriamente convencer a mim mesma a não cortar meu
próprio braço com uma faca de cozinha. Nessa noite, ganhei a discussão com a
faca, mas foi por pouco.
Naquela época, andava tendo
algumas outras boas idéias - sobre como pular do alto de um prédio ou explodir
minha cabeça com um tiro poderia pôr fim ao sofrimento Mas alguma coisa no fato
de passar a noite com uma faca na mão me fez ver a situação com outros olhos.
E nunca vou me esquecer da
expressão de uma amiga ao entrar correndo no meu apartamento, cerca de uma hora
depois do meu telefonema pedindo socorro, e me ver encolhida no sofá. A imagem
da minha dor refletida no visível medo que ela sentiu pela minha vida ainda é
para mim uma das lembranças mais assustadoras de todos aqueles anos assustadores.
Fiquei encolhida em posição fetal, enquanto minha amiga dava alguns telefonemas
e encontrava um psiquiatra que pudesse me atender naquele mesmo dia para
conversar sobre a possibilidade de me receitar antidepressivos. Escutei metade
daquele diálogo telefônico de Susan com o médico, e ouvi-a dizer: "Acho ela
vai se machucar seriamente." Eu também estava com medo.
Quando fui à consulta com o
psiquiatra, naquela tarde, ele me perguntou por que eu havia demorado tanto a
pedir ajuda — como se eu já não estivesse tentando ajudar a mim mesma havia
muito tempo. Eu lhe falei sobre minhas objeções e minhas reservas em relação
aos antidepressivos.....Por favor, não faça nada que vá prejudicar meu cérebro.
Ele disse: "Se você estivesse com uma doença renal, não hesitaria em tomar
remédios para curá-la - por que está hesitando neste caso?"
Ele me receitou vários
remédios diferentes... As pílulas me devolveram essas horas de recuperação noturna,
e também impediram minhas mãos de tremer e aliviaram a intensa pressão no meu
peito e o botão de emergência apertado dentro do meu coração.
Mesmo assim, nunca me senti
muito bem tomando esses remédios, embora eles tenham me ajudado imediatamente.
Pouco importava quem me dissesse que esses remédios eram uma boa idéia e que
eram perfeitamente seguros; tomá-los nunca deixou de ser um conflito para mim.
Os remédios faziam parte da minha ponte para o outro lado, não há dúvida, mas
eu queria parar assim que possível. Comecei a tomar a medicação em janeiro de
2003. Em maio, já estava diminuindo significativamente a dosagem. De toda
forma, aqueles haviam sido os meses mais difíceis - os últimos meses do divórcio.
Será que eu teria suportado essa época sem os remédios, se tivesse segurado um
pouco mais? Será que teria sobrevivido a mim mesma sozinha? Não sei. É essa a
característica da vida humana — não há grupo placebo, não há nenhuma maneira de
saber como qualquer um de nós teria se comportado caso qualquer uma das variáveis
houvesse mudado.
O que sei é que esses
remédios fizeram meu pesar parecer menos catastrófico. Então, sou grata por
isso. Mas ainda sou profundamente ambivalente em relação a remédios que alteram
o humor. Fico pasma com seu poder, mas preocupada com sua difusão, acho que precisam
ser receitados e usados com muito mais moderação, e nunca sem o tratamento
paralelo de um aconselhamento psicológico. Medicar o sintoma de qualquer doença
sem explorar sua causa inicial é apenas um modo classicamente burro e ocidental
de achar que qualquer um poderia melhorar de verdade. Essas pílulas podem ter
salvado a minha vida, mas só fizeram isso em conjunção com cerca de outros
vinte esforços que eu estava fazendo simultaneamente, durante aquele mesmo
período, para resgatar a mim mesma, e espero nunca mais precisar delas.
Lembro-me de cena vez
recorrer a meu caderninho íntimo em uma fúria amargurada de raiva e tristeza, e
rabiscar uma mensagem para minha voz interior – para meu reconforto interior
divino - que ocupou uma página inteira de letras maiúsculas:
"PORRA, EU NÃO ESTOU
ACREDITANDO EM VOCÊ!!!!!!!!"
Depois de alguns instantes,
ainda ofegante, senti um pontinho de luz claramente se acender dentro de mim. E
então me vi escrevendo a seguinte resposta bem-humorada e muito calma:
Então com quem você está
falando?
Desde então, nunca mais
duvidei de sua existência. Logo, hoje à noite estendo outra vez a mão para essa
voz. E a primeira vez que faço isso desde que cheguei à Itália. O que escrevo
no meu diário esta noite é que estou fraca e com muito medo. Explico que a Depressão
e a Solidão apareceram, e que estou com medo de elas nunca mais irem embora.
Digo que não quero mais tomar os remédios, mas estou com medo de precisar tomar.
Estou com pânico de nunca mais conseguir dar um jeito na minha vida.
Como resposta, de algum
lugar de dentro de mim, surge uma presença agora familiar, que me oferece todas
as certezas que eu sempre quis que outra pessoa me desse quando eu estava com
problemas. O que me vejo escrevendo para mim mesma no papel é o seguinte:
Estou aqui. Eu
amo você. Não me importo se você tiver de passar a noite inteira acordada
chorando, eu fico com você. Se você precisar dos remédios de novo, não tem problema,
tome - eu vou amar você do mesmo jeito, se fizer isso. Se você não precisar dos
remédios, vou amar você do mesmo jeito. Não há nada que você possa fazer para perder
o meu amor. Vou proteger você até você morrer, e depois da sua morte vou continuar
protegendo você. Sou mais forte do que a Depressão e mais corajosa do que a
Solidão, e nada nunca vai me desanimar.
Hoje, esse estranho gesto
interior de amizade - a mão estendida por mim para mim mesma, quando não há
mais ninguém por perto para oferecer consolo - me lembra algo que me aconteceu
certa vez. Uma tarde, entrei em um prédio comercial às pressas, e corri para o
elevador que estava parado. Ao entrar, vi a mim mesma de relance no reflexo de
um espelho de segurança. Naquele instante, meu cérebro fez uma coisa esquisita
- enviou a seguinte mensagem, que durou uma fração de segundo: "Ei! Você conhece
aquela mulher ali! Ela é amiga sua!" E eu, de fato, saí correndo em
direção ao meu próprio reflexo com um sorriso no rosto, pronta para cumprimentar
aquela moça de cujo nome eu havia me esquecido, mas cujo rosto era tão
conhecido. Em uma fração de segundo, é claro, percebi meu erro, e ri,
envergonhada por não saber como funciona um espelho, feito um cachorro. Por
algum motivo, porém, torno a me lembrar desse incidente nesta noite, durante
minha tristeza romana, e vejo-me escrevendo este reconfortante lembrete no pé
da página:
Nunca se
esqueça de que, um dia, em um instante de espontaneidade, você reconheceu a si
mesma como uma amiga.
Caio no sono segurando o
caderninho bem apertado contra o peito, aberto nessa última frase
reconfortante. Pela manhã, quando acordo, ainda posso sentir um ranço da fumaça
do charuto da Depressão, mas ela própria não está por perto. Em algum momento
da noite, levantou-se e foi embora. E sua amiga Solidão também deu o fora.