domingo, 4 de março de 2012

MELANCOLIA - Há alívio e segurança possíveis na família, amor, instituições, cultura, arte, dinheiro, infância?



O cineasta dinamarquês Lars von Trier foi banido do Festival de Cannes em maio, após uma desastrada coletiva na qual disse, entre outras bobagens, “entender” Adolf Hitler. O contexto das declarações não tinha relação nenhuma com seu filme, Melancolia, uma inesperada mistura de drama e ficção científica que saiu do festival com o prêmio de melhor atriz para Kirsten Dunst.

A primeira parte se passa numa única noite: a do casamento de Justine (Kirsten Dunst), realizado no clube de golfe de seu arrogante cunhado, John (Kiefer Sutherland), marido da irmã dela, Claire (Charlotte Gainsbourg). No início, uma enorme limusine quase atolada num caminho estreito demais para as suas dimensões sinaliza o início dos tropeços desta trajetória. A bordo está o par de noivos Justine e Michael (Alexander Skarsgard), ainda rindo de toda a situação, atrasadíssimos para sua grande festa. Uma pompa que não esconde as profundas dúvidas da moça quanto ao passo que está dando. O clima de felicidade artificial, quase histérica, se dilui conforme a noiva mergulha num estado de melancolia paralisante.
A partir dos discursos à mesa, dos pais divorciados das irmãs (John Hurt e Charlotte Rampling), as aparências que os anfitriões Claire e o marido, John, estão tentando tão arduamente manter começam a rachar. E segue adiante uma lenta e sistemática demolição das crenças convencionais de que o casamento, o sucesso profissional e o financeiro possam sustentar qualquer tipo de estabilidade, seja pessoal ou coletiva.

“Quando tento caminhar, sinto um fio de lã, cinza e grosso, enrolado às minhas pernas”, confidencia à mãe.


Melancolia, um imenso planeta azul que está se aproximando ameaçadoramente da Terra. Diante da iminência da catástrofe, caberá à deprimida protagonista se revelar sábia e forte para lidar com a situação.

Segundo a lógica de Lars von Trier, o caos nos reduz ao que realmente somos. E só o fim do mundo coloca as coisas em seus devidos lugares.
"Melancolia" nasce diretamente de "Anticristo", obra que marcou o auge da depressão do diretor. "Melancolia" é uma espécie de ritual de saída da depressão, mas que nem por isso conduz ao otimismo.


No mundo de Von Trier, não há alívio nem segurança possíveis na família, no amor, nas instituições, na cultura, na arte, no dinheiro, na infância. E, para piorar, estamos sós no imenso universo e, ainda assim, não vamos durar muito.
Não contente de arremessar toda a sua potente munição criativa, mais uma vez, contra a sociedade constituída e desautorizar quaisquer utopias, o diretor encena a destruição da Terra, diante do iminente choque contra outro planeta, Melancolia. Azul como a Terra, como um enigmático duplo do nosso, ele ficou escondido atrás do sol todo este tempo, por isso, até agora invisível. Quando sai da sombra, porém, é para valer.
Se há um porta-voz de Von Trier no filme é Justine, que, invocando uma espécie de onisciência mágica (a única que a história permite), num dado momento garante à irmã que não há vida em outros planetas. É esse tipo de pessimismo que o diretor destila todo o tempo, da forma mais estética possível.


Mais do que o fim do mundo, a história tematiza a condição humana. Que as personagens principais sejam duas mulheres, irmãs cujos nomes identificam as duas partes do filme, é outra afirmação do diretor sobre a própria ambiguidade da espécie. Claire é a racional, adaptada às convenções, esposa e mãe. Justine é a irmã rebelde, insatisfeita, insegura, que busca apoio no cerimonial do casamento, mas nada encontra. Independente da colisão de planetas, este mundo também desabaria de qualquer modo, a qualquer momento. 

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