O cineasta dinamarquês Lars von Trier foi banido do Festival de Cannes em maio, após uma
desastrada coletiva na qual disse, entre outras bobagens, “entender” Adolf
Hitler. O contexto das declarações não tinha relação nenhuma com seu filme, Melancolia, uma inesperada
mistura de drama e ficção científica que saiu do festival com o prêmio de
melhor atriz para Kirsten Dunst.
A primeira parte se passa numa única noite: a
do casamento de Justine (Kirsten Dunst), realizado no clube de golfe de seu
arrogante cunhado, John (Kiefer Sutherland), marido da irmã dela, Claire
(Charlotte Gainsbourg). No início, uma enorme limusine quase atolada num
caminho estreito demais para as suas dimensões sinaliza o início dos tropeços
desta trajetória. A bordo está o par de noivos Justine e Michael (Alexander Skarsgard),
ainda rindo de toda a situação, atrasadíssimos para sua grande festa. Uma pompa
que não esconde as profundas dúvidas da moça quanto ao passo que está dando. O clima
de felicidade artificial, quase histérica, se dilui conforme a noiva mergulha
num estado de melancolia paralisante.
A partir dos discursos à mesa, dos pais
divorciados das irmãs (John Hurt e Charlotte Rampling), as aparências que os
anfitriões Claire e o marido, John, estão tentando tão arduamente manter
começam a rachar. E segue adiante uma lenta e sistemática demolição das crenças
convencionais de que o casamento, o sucesso profissional e o financeiro possam
sustentar qualquer tipo de estabilidade, seja pessoal ou coletiva.
“Quando tento caminhar, sinto um fio de lã,
cinza e grosso, enrolado às minhas pernas”, confidencia à mãe.
Melancolia, um imenso planeta azul que está se
aproximando ameaçadoramente da Terra. Diante da iminência da catástrofe, caberá
à deprimida protagonista se revelar sábia e forte para lidar com a situação.
Segundo a lógica de Lars von Trier, o caos nos
reduz ao que realmente somos. E só o fim do mundo coloca as coisas em seus
devidos lugares.
"Melancolia" nasce diretamente de
"Anticristo", obra que marcou o auge da depressão do diretor.
"Melancolia" é uma espécie de ritual de saída da depressão, mas que
nem por isso conduz ao otimismo.
No mundo de Von Trier, não há alívio nem
segurança possíveis na família, no amor, nas instituições, na cultura, na arte,
no dinheiro, na infância. E, para piorar, estamos sós no imenso universo e,
ainda assim, não vamos durar muito.
Não contente de arremessar toda a sua potente
munição criativa, mais uma vez, contra a sociedade constituída e desautorizar
quaisquer utopias, o diretor encena a destruição da Terra, diante do iminente
choque contra outro planeta, Melancolia. Azul como a Terra, como um enigmático
duplo do nosso, ele ficou escondido atrás do sol todo este tempo, por isso, até
agora invisível. Quando sai da sombra, porém, é para valer.
Se há um porta-voz de Von Trier no filme é
Justine, que, invocando uma espécie de onisciência mágica (a única que a
história permite), num dado momento garante à irmã que não há vida em outros
planetas. É esse tipo de pessimismo que o diretor destila todo o tempo, da
forma mais estética possível.
Mais do que o fim do mundo, a história
tematiza a condição humana. Que as personagens principais sejam duas mulheres,
irmãs cujos nomes identificam as duas partes do filme, é outra afirmação do
diretor sobre a própria ambiguidade da espécie. Claire é a racional, adaptada
às convenções, esposa e mãe. Justine é a irmã rebelde, insatisfeita, insegura,
que busca apoio no cerimonial do casamento, mas nada encontra. Independente da
colisão de planetas, este mundo também desabaria de qualquer modo, a qualquer
momento.
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