sexta-feira, 2 de março de 2012

Tomou Rivotril, Tofranil, Dogmatil, a dor sumiu?

Sobre usar ou não antidepressivos – Transcrição de trechos do livro “Comer, Rezar, Amar” de Elizabeth Gilbert. Pessoalmente, penso que ilustra de forma muito real e esclarecedora o tema.



Nunca quis tomar remédios, para começo de conversa. Passara muito tempo lutando para não tomá-los, sobretudo devido a uma longa lista de objeções pessoais (por exemplo:... ainda não sabemos que efeito esse negócio tem no cérebro a longo prazo; ...; estamos tratando os sintomas, não as causas, de uma emergência nacional na área da saúde mental...).

Encarei minha depressão como se fosse o maior desafio da minha vida, e é claro que era mesmo. Passei a estudar minha própria experiência depressiva, tentando desvendar suas causas. O que estava na raiz de todo aquele desespero? Seria psicológico? (Culpa de mamãe e papai?) Seria apenas temporário, um "período difícil" da minha vida? (Quando o divórcio terminar, será que a depressão vai terminar também?) Seria genético? (A Melancolia, chamada de muitos nomes, aflige minha família há gerações, junto com seu triste noivo, o Alcoolismo.) Seria cultural? (Será que isso é apenas a ressaca de uma americana pós-feminista que trabalha tentando encontrar o equilíbrio em um mundo urbano cada vez mais estressante e alienante?) Seria astrológico? (Será que estou tão triste porque sou uma canceriana sensível cujas principais características são todas regidas pelo instável Gêmeos?) Seria artístico? (As pessoas criativas não sofrem sempre de depressão por serem ultra-sensíveis e especiais?) Seria evolucionário? (Será que carrego comigo o pânico residual que vem de milênios de tentativas da minha espécie de sobreviver em um mundo brutal?) Seria cármico? (Será que esses espasmos de tristeza são apenas as conseqüências de um mau comportamento em vidas passadas, os últimos obstáculos antes da libertação? Seria hormonal? Nutricional? Filosófico? Sazonal? Ambiental? Será que eu estava experimentando uma ânsia universal por Deus? Será que estava com um desequilíbrio químico? Ou será que eu simplesmente precisava transar?)

E, quando aquelas revistas femininas intrometidas não paravam de me dizer que minha baixa auto-estima não estava ajudando em nada a curar a depressão, fiz um bonito corte de cabelos, comprei alguns produtos caros de maquiagem e um belo vestido. (Quando um amigo elogiou meu novo visual, tudo que consegui dizer, de cara fechada, foi: "Operação Auto-Estima - Porra de Dia Um.")

A última coisa que tentei, depois de dois anos de luta contra essa tristeza, foi tomar remédios. Se me permitem expor minhas opiniões aqui, acho que isso sempre deve ser a última coisa a se tentar. Para mim, a decisão de tomar o caminho da "Vitamina P" aconteceu depois de uma noite em que eu havia passado horas sentada no chão do meu quarto, tentando seriamente convencer a mim mesma a não cortar meu próprio braço com uma faca de cozinha. Nessa noite, ganhei a discussão com a faca, mas foi por pouco.
Naquela época, andava tendo algumas outras boas idéias - sobre como pular do alto de um prédio ou explodir minha cabeça com um tiro poderia pôr fim ao sofrimento Mas alguma coisa no fato de passar a noite com uma faca na mão me fez ver a situação com outros olhos.

E nunca vou me esquecer da expressão de uma amiga ao entrar correndo no meu apartamento, cerca de uma hora depois do meu telefonema pedindo socorro, e me ver encolhida no sofá. A imagem da minha dor refletida no visível medo que ela sentiu pela minha vida ainda é para mim uma das lembranças mais assustadoras de todos aqueles anos assustadores. Fiquei encolhida em posição fetal, enquanto minha amiga dava alguns telefonemas e encontrava um psiquiatra que pudesse me atender naquele mesmo dia para conversar sobre a possibilidade de me receitar antidepressivos. Escutei metade daquele diálogo telefônico de Susan com o médico, e ouvi-a dizer: "Acho ela vai se machucar seriamente." Eu também estava com medo.

Quando fui à consulta com o psiquiatra, naquela tarde, ele me perguntou por que eu havia demorado tanto a pedir ajuda — como se eu já não estivesse tentando ajudar a mim mesma havia muito tempo. Eu lhe falei sobre minhas objeções e minhas reservas em relação aos antidepressivos.....Por favor, não faça nada que vá prejudicar meu cérebro. Ele disse: "Se você estivesse com uma doença renal, não hesitaria em tomar remédios para curá-la - por que está hesitando neste caso?"
Ele me receitou vários remédios diferentes... As pílulas me devolveram essas horas de recuperação noturna, e também impediram minhas mãos de tremer e aliviaram a intensa pressão no meu peito e o botão de emergência apertado dentro do meu coração.
Mesmo assim, nunca me senti muito bem tomando esses remédios, embora eles tenham me ajudado imediatamente. Pouco importava quem me dissesse que esses remédios eram uma boa idéia e que eram perfeitamente seguros; tomá-los nunca deixou de ser um conflito para mim. Os remédios faziam parte da minha ponte para o outro lado, não há dúvida, mas eu queria parar assim que possível. Comecei a tomar a medicação em janeiro de 2003. Em maio, já estava diminuindo significativamente a dosagem. De toda forma, aqueles haviam sido os meses mais difíceis - os últimos meses do divórcio. Será que eu teria suportado essa época sem os remédios, se tivesse segurado um pouco mais? Será que teria sobrevivido a mim mesma sozinha? Não sei. É essa a característica da vida humana — não há grupo placebo, não há nenhuma maneira de saber como qualquer um de nós teria se comportado caso qualquer uma das variáveis houvesse mudado.
O que sei é que esses remédios fizeram meu pesar parecer menos catastrófico. Então, sou grata por isso. Mas ainda sou profundamente ambivalente em relação a remédios que alteram o humor. Fico pasma com seu poder, mas preocupada com sua difusão, acho que precisam ser receitados e usados com muito mais moderação, e nunca sem o tratamento paralelo de um aconselhamento psicológico. Medicar o sintoma de qualquer doença sem explorar sua causa inicial é apenas um modo classicamente burro e ocidental de achar que qualquer um poderia melhorar de verdade. Essas pílulas podem ter salvado a minha vida, mas só fizeram isso em conjunção com cerca de outros vinte esforços que eu estava fazendo simultaneamente, durante aquele mesmo período, para resgatar a mim mesma, e espero nunca mais precisar delas.

Lembro-me de cena vez recorrer a meu caderninho íntimo em uma fúria amargurada de raiva e tristeza, e rabiscar uma mensagem para minha voz interior – para meu reconforto interior divino - que ocupou uma página inteira de letras maiúsculas:
"PORRA, EU NÃO ESTOU ACREDITANDO EM VOCÊ!!!!!!!!"


Depois de alguns instantes, ainda ofegante, senti um pontinho de luz claramente se acender dentro de mim. E então me vi escrevendo a seguinte resposta bem-humorada e muito calma:
Então com quem você está falando?
Desde então, nunca mais duvidei de sua existência. Logo, hoje à noite estendo outra vez a mão para essa voz. E a primeira vez que faço isso desde que cheguei à Itália. O que escrevo no meu diário esta noite é que estou fraca e com muito medo. Explico que a Depressão e a Solidão apareceram, e que estou com medo de elas nunca mais irem embora. Digo que não quero mais tomar os remédios, mas estou com medo de precisar tomar. Estou com pânico de nunca mais conseguir dar um jeito na minha vida.
Como resposta, de algum lugar de dentro de mim, surge uma presença agora familiar, que me oferece todas as certezas que eu sempre quis que outra pessoa me desse quando eu estava com problemas. O que me vejo escrevendo para mim mesma no papel é o seguinte:

Estou aqui. Eu amo você. Não me importo se você tiver de passar a noite inteira acordada chorando, eu fico com você. Se você precisar dos remédios de novo, não tem problema, tome - eu vou amar você do mesmo jeito, se fizer isso. Se você não precisar dos remédios, vou amar você do mesmo jeito. Não há nada que você possa fazer para perder o meu amor. Vou proteger você até você morrer, e depois da sua morte vou continuar protegendo você. Sou mais forte do que a Depressão e mais corajosa do que a Solidão, e nada nunca vai me desanimar.

Hoje, esse estranho gesto interior de amizade - a mão estendida por mim para mim mesma, quando não há mais ninguém por perto para oferecer consolo - me lembra algo que me aconteceu certa vez. Uma tarde, entrei em um prédio comercial às pressas, e corri para o elevador que estava parado. Ao entrar, vi a mim mesma de relance no reflexo de um espelho de segurança. Naquele instante, meu cérebro fez uma coisa esquisita - enviou a seguinte mensagem, que durou uma fração de segundo: "Ei! Você conhece aquela mulher ali! Ela é amiga sua!" E eu, de fato, saí correndo em direção ao meu próprio reflexo com um sorriso no rosto, pronta para cumprimentar aquela moça de cujo nome eu havia me esquecido, mas cujo rosto era tão conhecido. Em uma fração de segundo, é claro, percebi meu erro, e ri, envergonhada por não saber como funciona um espelho, feito um cachorro. Por algum motivo, porém, torno a me lembrar desse incidente nesta noite, durante minha tristeza romana, e vejo-me escrevendo este reconfortante lembrete no pé da página:

Nunca se esqueça de que, um dia, em um instante de espontaneidade, você reconheceu a si mesma como uma amiga.

Caio no sono segurando o caderninho bem apertado contra o peito, aberto nessa última frase reconfortante. Pela manhã, quando acordo, ainda posso sentir um ranço da fumaça do charuto da Depressão, mas ela própria não está por perto. Em algum momento da noite, levantou-se e foi embora. E sua amiga Solidão também deu o fora.

4 comentários:

  1. que lindo!!! beijos Luciana

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    1. Também acho lindo, uma descrição real e não "juldadora - dona da verdade" pra uma decisão e um momento muito difícil - tomar antidepressivos - mas necessário! Bj, Luciana.

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  2. Achei muito lindo assa frase que você escreveu sem julgar ninguém claro, mas gostei de coração.

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  3. Adorei o seu blog, estou passando por um momento muito delicado no casamento e a todo momento me vejo no que você diz. Estou a mais ou menos 2 horas lendo suas postagens e está me fazendo muito bem. Sua postagem é antiga, mas desejo que você esteja muito feliz! Abraço.

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